Perfil: Guilherme Giacomini – Jogos, Música e Design

Perfil: Guilherme Giacomini – Jogos, Música e Design

Guilherme Giacomini
Guilherme Giacomini. Fonte: Arquivo

Não é raro sermos expostos a situações que nos marcam. Em qualquer época de nossas vidas, sempre haverá aquele tipo de situação que carregaremos na memória. Algumas dessas tentamos evitar, outras, tentamos reviver. E apesar de ter nascido em São Paulo, e retornado à terra da garoa desde 2001, é com carinho que Guilherme Giacomini, atualmente com 32 anos, lembra de sua infância na cidade de Salvador.

Esse período ficou marcado em Guilherme por diversos motivos, como as amizades, e principalmente a cultura,  diferente do que se vivencia na cidade de São Paulo. 

Phantom System - Gradiente | Brinquedos antigos, Game, Jogos
Phantom System: O primeiro console que Guilherme tem lembrança. Fonte: Arquivo

A história de Guilherme com jogos começa cedo, aos 3 anos de idade, assistindo às sessões de jogo de seu pai em um Phantom System, o clone oficial do NES no Brasil, tendo

a oportunidade de brincar com o controle vez ou outra.

Do tio ganhou um Super Nintendo, mas o  preço dos jogos era limitante para poder experimentar muito do que era oferecido para esse console. Foi com um computador antigo, que ganhara do avô, junto com o surgimento dos emuladores, bem como as revistas que traziam jogos, que Guilherme pode explorar mais títulos e então conhecer toda uma gama de jogos para se divertir. E ele gostava de jogar todos os tipos de jogos, apesar de nunca ter demonstrado muito interesse por jogos de corrida ou de esporte.

Essas experiências foram o passo inicial para que decidisse aprender a projetar jogos, levando-o a tentar o vestibular em alguns cursos de Engenharia da Computação, garantindo, depois de muito pensar, uma vaga no curso de Design de Jogos da Anhembi Morumbi. Ele se lembra que, quando ingressou, a primeira turma do curso estava se formando.

De acordo com Guilherme, existe uma diferença muito grande entre pensar em produzir um jogo e de fato produzi-lo, principalmente porque jogos são, por falta de um termo melhor, produtos multidisciplinares. É muito difícil se produzir um jogo sozinho. “Demanda muita dedicação e muitos conhecimentos”. 

Além disso, as pessoas não tem muito conhecimento do que é necessário para entrar no mercado de jogos e mesmo os que estão, não tem muito conhecimento sobre o processo. “O design é entender sobre o (processo de um) projeto. O que você precisa sobre o que compõe o processo de um jogo, desde a concepção até a entrega.” E essa é a proposta do curso, você desenvolver o processo.

“Eu cheguei no curso tendo jogos como interesse, eu queria fazer jogos, mesmo sem saber, e na faculdade fui conhecendo os caminhos que me permitiram encontrar meu lugar”, conta Guilherme, que tentou a área de modelagem 3D após a graduação, mas não se identificou com a área.

“Na época eu gostava muito de Metal e estava aprendendo (a tocar) guitarra. Eu comecei a aprender música tarde, aos 19 anos, então eu resolvi me dedicar exclusivamente à área de áudio.”

Guilherme Giacomini
Guilherme Giacomini com seu violão em uma sessão musical. Fonte: Arquivo

Nessa carreira Guilherme trabalhou em estúdio e em diversos eventos ao vivo, chegando até a assumir o papel de DJ, o que o afastou dos jogos por um período. Mas, em 2016, um longo hiato entre projetos de áudio e a possibilidade de um financiamento por meio de programas culturais o colocaram no caminho dos jogos novamente.

A sua experiência com os jogos de Super NES e GameBoy, em específico os JRPGs como Final Fantasy ou Zelda, foram o gatilho para um projeto que ele estava amadurecendo. A semente para esse projeto foi sua infância em Salvador, a diferença cultural entre o sertão nordestino e a vida na cidade de São Paulo, e sua identificação com a cultura nordestina.

Apesar de haver outros jogos que se passam no nordeste, Guilherme não conseguiu se identificar com as situações. Os jogos com essa temática não despertaram nele o sentimento que ele se lembrava de sua infância.

Por estar em São Paulo desde 2001, o processo de pesquisa foi extenso. Jornais, revistas, reportagens, filmes e vídeos sobre a cultura local foram amplamente consumidos para compor a fundamentação para seu projeto. “Porque quando se tem uma base boa, facilita e melhora o conceito geral do jogo.” Esse processo todo o ajudou a definir como ele gostaria que fosse o jogo, misturando o folclore local com as situações cotidianas dos que vivem na região da caatinga.

Mas entre a notícia sobre o edital, que seria responsável por financiar o projeto, e a data de entrega da documentação sobre o processo de produção do projeto, não apenas havia pouco tempo, um outro projeto de áudio apareceu para adiar o início da produção de seu jogo.

Guilherme Giacomini na Discotecagem
Guilherme Giacomini em uma sessão de Discotecagem. Fonte: Arquivo

Com três anos de intervalo, Guilherme teve a oportunidade de amadurecer a ideia, buscar referências em diversas fontes, principalmente no que diz respeito à trilha sonora, pois segundo ele: “a mistura dos sons característicos da região e os sons característicos de jogos estilo retrô apresentaram um certo desafio.”

O baião foi o estilo principal escolhido para compor o tema central, principalmente por apresentar uma característica lúdica, alegre, como os da festa junina, que conferem uma certa “leveza à vida” e que combinou bem com os sons utilizados em jogos de 8 bits.

“Fazer um jogo é muito caro.” Foi a resposta sobre os recursos obtidos para a produção,  financiada por um incentivo público do estado de São Paulo. “Sem essa ajuda o Língua estaria apenas no mundo das ideias”. 

“Mas esse investimento ajuda o mercado, porque temos pessoas talentosas.” Lembra ele, que recrutou a ajuda de diversos profissionais que tinham competência que ele não possui ou não tem desenvolvimento, como ilustração ou programação, e deixou claro que o dinheiro para a produção não fica com todo com o produtor. Por regra ele pode ficar apenas com uma porcentagem pequena. “Então fomenta não só o mercado de jogos. É importante criar essa representação cultural, porque isso traz um retorno para um país como um todo.”

Segundo Guilherme, apesar do investimento ser impeditivo, é com os prazos que os produtores devem estar mais atento. Porque em uma produção indie o designer acaba assumindo diversos papeis, às vezes tendo que ser multitarefa e se perder no prazo é algo que acaba acontecendo com facilidade. 

Além disso, é necessário aprender durante o processo e fazer a gestão “em tempo de execução.” Ou seja, “ou você aprende, ou você não finaliza o projeto,” menciona logo após nos contar que aprendeu muito sobre a ferramenta Unity 3D ao assumir algumas tarefas para ajudar o programador.

Mas apesar de ainda estarmos em um processo de aprendizado, comparado com EUA, Japão ou Reino Unido, Guilherme vê um cenário favorável, em constante crescimento, para quem tem interesse em ingressar na área, trazendo como exemplos jogos como Dandara e Chroma Squad. Mas avisa, “é uma indústria que você tem que gostar do que faz. Com o grau de dificuldade, apenas ganhar dinheiro não é suficiente, principalmente pela quantidade de assuntos que o profissional deve conhecer, em especial no cenário indie.”

Tela de abertura do jogo Língua
Tela de abertura do jogo Língua, de Guilherme Giacomini. Fonte: Arquivo

Língua, lançado em outubro de 2021 na plataforma Steam, é um jogo que se inspira em Zelda ou nos JRPGs do Super NES, como Final Fantasy, Chrono Trigger ou Dragon Quest. Jogos com foco na narrativa que se desenrola ao resolver enigmas, os quais, segundo Guilherme: “a melhor forma de começar é pelos enigmas mais simples possíveis, mas não é um processo simples, porque você quer que o jogador resolva, mas a solução não pode ser tão fácil”.

Além de diversos artigos lidos na gamedevelopers.com, o processo foi longo, envolveu muita tentativa e erro, principalmente com testes interativos com jogadores. Isso se dá principalmente porque para quem cria os enigmas, a solução já está respondida. O projetista não sabe qual a real dificuldade até alguém testar.

Mas em relação a se o jogo saiu como ele gostaria, Guilherme afirmou que “durante o jogo eu tinha certeza que ele ficaria divertido, mas eu não sei te dizer se o produto final era o que eu imaginava antes de começar. Eu tinha uma ideia no início, mas o gameplay (a mecânica do jogo) e outras ideias surgiram durante o processo.” Ele queria um jogo sólido e divertido, que quem jogasse se divertisse. E queria retratar a cultura (nordestina) de forma adequada.

A sensação que o jogo passa é a de que a cultura está bem representada. Não podemos garantir isso pois não vivemos nessa cultura, mas, nós da gamegesis, podemos garantir que o jogo apresenta uma narrativa bem construída com personagens do folclore, que nós nos divertimos jogando Língua, e recomendando a você que tem interesse em jogos com temas nacionais.

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