Elaboração: Projeto Gamegesis
Documento em elaboração recorrente – Aberto a Sugestões para Melhoria.

Orientações Para Elaboração de Parâmetros Para Editais em Jogos Eletrônicos © 2023 by Rodrigo de Godoy Domingues is licensed under CC BY-NC-SA 4.0

Introdução

Esse documento tem por finalidade apresentar orientações para elaboração de parâmetros para confecção de editais a avaliarem projetos de jogos eletrônicos. Em adição, apresenta orientações para editais de audiovisuais que têm jogos eletrônicos como elementos a serem considerados.

Jogos são elementos complexos, de recente estudo filosófico e processual, a menção acadêmica em jogos inicia por volta de 1942, por Huizinga, utilizando o que se pretendia de um conceito não definido como ferramenta para estudo, compreensão e avaliação de manifestações culturais e estabelecimento de práticas culturais, com um viés comparativo.

Muito do que se desenvolveu sobre a compreensão de jogos se fundamenta desse estudo, o que apresenta lacunas, incoerências e incertezas.

Em relação a jogos eletrônicos, o problema se agrava. A área de estudos, mesmo fora da academia, não conta com 50 anos completos. Mesmo que a prática já esteja difundida no cotidiano, em termos acadêmicos e conceituais, é muito recente.

Começamos esse documento com a proposta para definição da elaboração a especificar o que se entende por jogo, em especial, jogo eletrônico, com um gancho sobre jogos como elementos audiovisuais.

Em seguida elencamos os papéis usualmente desempenhados na produção de jogos eletrônicos. Papéis esses que podem ser atribuídos tanto a indivíduos distintos, quanto acumulados em um único indivíduo.

O modelo de classificação de jogos eletrônicos difere do processo de classificação usual de projetos audiovisuais. Não podemos classificar jogos como curtas, longas, documentários, ou simplesmente projetos de pequeno, médio e grande porte. Embora possamos colocar jogos nesses últimos processos categóricos, o modelo de categorização não é um mapeamento direto. Apresentaremos um resumo sobre como abordar a valoração qualitativa sobre projeto de jogos para definir uma valoração quantitativa para o fomento.

 

Conceito de Jogo

Não há uma data precisa para identificar por quanto tempo a humanidade joga. Sabemos que animais, assim como os humanos, brincam, mas o ato de jogar possui algo a mais que o ato de brincar, e apesar de ambos os atos terem uma relação, ainda estamos tentando definir o que difere um do outro.

Sabemos de escavações arqueológicas que encontrou peças e regras de jogos de tabuleiro que datam dos anos 3000 A.C. a  3500 A.C., ou seja, aproximadamente 5000 anos atrás, pouco mais que o dobro do tempo que a filosofia oriental discute o que é conhecimento (500 A.C.).

Por muito tempo a sociedade desdenhou a atividade de jogar e o elemento que a define, o jogo, tendo o interesse despertado apenas recentemente, na segunda metade do século XX. Esse interesse se intensificou com o advento dos jogos eletrônicos, pois antes, para se jogar, na exceção dos jogos de carta do tipo paciência, era necessário pelo menos outro indivíduo para que a prática se realizasse. Dependendo do jogo, precisava-se de bem mais que mais um indivíduo, para compor grupos diferentes.

Jogos eletrônicos liberou essa necessidade de mais alguém para jogar, apresentando o sistema como adversário, o indivíduo podia jogar sozinho. Isso evidenciou duas situações bastante curiosas. A facilitação ao ato de jogar evidenciou o quanto o ser humano aprecia tal atividade, promovendo toda uma nova área de negócios. Evidenciou também o quanto a sociedade não compreende sobre o tema, fomentando crenças negativas e preconceitos prejudiciais a indivíduos e à própria sociedade.

Por ser uma área de estudo muito recente, em uma prática tão antiga, ainda não há um conceito formal definido para o elemento “jogo”. Por abarcar modelos ou processos subjetivos, alguns grupos de pesquisa sugerem que o termo não seja formalmente definido, muitas vezes se fundamentando na proposta de Ludwig Wittgenstein de que jogos de palavras não devam ter uma definição formal.

Evidentemente essa sugestão não deve ser acatada por uma equipe de elaboração de editais de fomento. É fundamental que haja uma compreensão sobre o trabalho submetido à avaliação para o fomento. Uma sugestão para os avaliadores é ler o artigo de Jaako Stenros intitulado “The Game Definition Game: A Review”, publicado em 2017. Ele apresenta argumentações sobre propostas de definição de jogos que podem auxiliar os elaboradores.

Porém, jogos são todos sobre ações e seus resultados em um contexto definido. Não é possível falar sobre jogos em um elemento que não consideram ações de um elemento externo. Essas ações devem alterar o estado (sistêmico) do contexto, apresentando situações diferentes e novas possibilidades de ações.

Como mencionei os termos “estado” e “contexto” anteriormente, vamos nos ater a eles para identificarmos os 4 elementos mínimos que um jogo deve possuir.

O estado é dado por uma representação, que ao receber o resultado de uma ação, de modo sistêmico processa a ação aceitando-a, quando válida, ou rejeitando-a, quando inválida, levando a um novo estado, ou enviando uma resposta de que a ação não fora aceita, às vezes por simplesmente manter-se no mesmo estado. A essa representação vamos rotular de Representação Sistêmica.

A comunicação ao elemento externo, seja o jogador ou a observadores, é dada pelo contexto, o qual denominamos por representação situacional, pois apresenta a situação ao elemento externo.

O elemento externo, nesse caso específico o jogador ou um sistema que atua no jogo, é nosso terceiro elemento e tem acesso ao quarto elemento, que é a interface de interação, atuando na relação de representação entre a representação sistêmica e a representação situacional.

Em resumo, um jogo possui um “tema”, para comunicar o estado ao jogador, um conjunto de regras sobre o qual o estado sofre alterações a partir da interação do jogador com a interface de interação, outro conjunto de regras que informará as regras do jogo o que foi requisitado.

Isso serve para qualquer jogo, seja esporte físico, tabuleiro ou eletrônico. A avaliação do projeto de jogos deve se concentrar nessa tríade:

  • Como o jogador interage com o jogo
  • Qual a relação entre a representação sistêmica e a representação situacional e
  • Como a representação situacional informa o estado do jogo ao jogador.

Jogo Eletrônico

Quando mencionamos jogos eletrônicos, queremos dizer que é um jogo em que a interação do jogador é realizada por meio de um console de videogame ou de um computador. Há jogos de cartas eletrônicos, bem como jogos narrativos eletrônicos, ou jogos de tabuleiro eletrônicos, como é o caso de jogos de gamão ou xadrez em que podemos jogar contra uma máquina.

É importante aos elaboradores especificarem no edital o que esperam dos projetos a serem avaliados e o que não será aceito.

Jogo como Elemento AudioVisual

Alguns editais são elaborados por programas de fomento voltados para o audiovisual. Embora jogos não sejam audiovisuais, eles contêm elementos audiovisuais. Seria um erro tais programas não abordarem jogos eletrônicos que possuem essa característica, pois ambas as áreas se beneficiam mutuamente, em uma relação simbiótica.

Para avaliar jogos eletrônicos em relação a um programa de fomento do audiovisual é importante que o proponente entenda o propósito do edital, o que os pareceristas esperam de um trabalho de audiovisual, e indique em seu projeto. Para isso, é necessário que os elaboradores, pareceristas e avaliadores também saibam o que buscam.

Jogos não precisam ter gráficos, como já provou o jogo Colossal Cave Adventure, ou o brasileiro Amazônia, em seu formato original, de Renato Degiovani. Mas esses são jogos essencialmente narrativos. Para serem considerados audiovisuais, seria necessário algo a mais além do jogador digitar os comandos? Uma imagem em cada cena, ou em cenas chave, com um efeito sonoro supriria esse requisito? Ou a exibição de texto a cada comando ou decisão do jogador seria suficiente?

Tetris, o jogo mais jogado de todos os tempos, é um claro exemplo de que um jogo não precisa ter uma narrativa. É um jogo abstrato. De fato, o pesquisador Ian Bogost menciona o termo de narrativa de jogada para indicar que jogos produzem narrativas únicas. Mesmo quando o jogo é um jogo narrativo, o mesmo pode-se dizer do jogo Bejeweled, que gerou diversos clones, como o Candy Crush Saga!

Alguns projetos misturam técnicas que nem sempre se combinam. Alguns usam jogos no estilo match-3, como o bejeweled ou candy crush, apenas como um mecanismo para avançar a narrativa. Alguns desses utilizam um modelo temático que funciona muito bem, outros deixam claro que se não fossem essas intervenções, não haveria jogo, seria apenas uma narrativa visual, com a possibilidade do usuário indicar quando quer que o sistema continue a narrativa.

Dessa forma, é importante que os avaliadores identifiquem como o mecanismo de jogo, ou a representação sistêmica, e a representação situacional, incluindo a narrativa, se relacionam e se complementam. Mas principalmente se há a possibilidade de “emergência” audiovisual por meio do componente sistêmico.

Por fim, os Visual Novels. Usualmente são narrativas visuais em que são apresentadas escolhas ao jogador para a continuação da história. Embora usualmente não sejam jogos, às vezes eles contém mecanismos que apresentam resposta à aleatoriedade e produzem resultados similares aos de jogos. Visual Novels não devem ser desconsiderados em projetos audiovisuais, pois usualmente apresentam a mencionada “emergência” audiovisual.

Por emergência audiovisual, entenda-se que há um conjunto de “clipes” audiovisual que podem ser combinados de diversas maneiras para produzirem, em tempo real, e sob uma interação, um conjunto maior de resultados que apenas a soma de suas partes.

Papéis Desempenhados na Produção de Jogos

 

Considerando que não há uma definição formal sobre jogos, a quantidade de papéis desempenhados na produção deles, bem como quais são, é incerta. Eles variam de acordo com o projeto ou com a empresa que o produz. Há alguns que se destacam e estão sempre presentes, muito identificados nos projetos de grande porte, enquanto que nos projetos de pequeno porte a situação é diferente. Para projetos de grande porte, temos os seguintes.

Papéis para Jogos em Geral

Ao considerarmos jogos em geral os papéis mais mencionados na bibliografia da área são os de Produtor de Jogo, Gerente de Projeto, Designer de Jogo, Designer de Economia e Diretor de Arte.

Produtor de Jogo (Game Producer)

O produtor do jogo é o responsável por realizar as comunicações entre a equipe de produção e os clientes patrocinadores (stakeholders) do projeto. Pense nos stakeholders como os produtores executivos, aqueles que investem financeiramente no projeto e esperam um retorno, usualmente também financeiro, do mesmo.

É dele a responsabilidade de informar aos clientes o andamento do projeto, possíveis atrasos ou necessidades, exigir que se cumpram acordos, informar a equipe de produção sobre decisões dos clientes, etc.

Gerente/Gestor de Projeto (Game/Project Manager)

O gerente de projeto é o responsável pela produção. Ele garante aos profissionais que desempenham os outros papéis que sua função será desempenhada sem gargalos ou bloqueios, sejam financeiros ou por recursos de outras naturezas.

Ele é o responsável por acompanhar o andamento do projeto, identificar os problemas e propor ou negociar soluções.

Designer de Jogo (Game Designer)

O designer de jogo é o responsável pelo conceito do jogo; pela definição das regras, tema, número de jogadores, e demais atributos do produto.

Em resumo, ele é o responsável pelo ideia geral do produto e é a ponte criativa entre o gestor e a equipe, da mesma forma que o produtor é a ponte entre os stakeholders e o designer do jogo.

É do designer de jogo a responsabilidade de indicar se o jogo está tomando o rumo que ele deseja, da mesma forma que deve estar atento às requisições ou exigências dos stakeholders.

Designer de Economia de Jogo (Game Economy Designer)

O papel do designer de economia de jogo é o de garantir que não haverá nenhum movimento ou estratégia que dê a um jogador vantagem garantida sobre outro movimento ou estratégia de outros jogadores.

Se considerarmos a teoria dos jogos da área matemática, que estuda as relações e riscos de decisões entre participantes de uma negociação, o designer de economia de jogo deve garantir que não haja nenhuma estratégia dominante no decorrer do jogo, ou seja, ele trabalha em proximidade com o designer do jogo para manter o fluxo da atividade e garantir que não haja nenhuma desvantagem no processo.

Diretor de Arte

O diretor de arte é o responsável por garantir a coerência nas artes visuais na produção do jogo, bem como gerenciar a equipe de ilustração, que é composta pelos papéis seguintes.

O diretor de arte é o papel que faz ponte entre o gerente de projeto e os profissionais da arte visua ou entre o designer de jogo e esses profissionais.

Ilustrador Conceitual

O ilustrador conceitual é responsável por um processo imaginativo a respeito do jogo. Ele tem por função desenhar cenários fictícios utilizando o jogo como fundamento e transmitir a ideia do jogo a quem aprecia suas produções.

O ilustrador conceitual é usualmente o responsável pelo desenho da caixa de um jogo de tabuleiro, bem como das produções publicitárias para o produto.

Ilustrador

O ilustrador tem por finalidade produzir as ilustrações das peças, tabuleiro, manual, etc. De acordo com a orientação do diretor de arte.

Testadores / Validadores de Qualidade

Muito além de simples testadores, os testadores de qualidade tem o papel de testar exaustivamente o produto em busca de falhas a serem evidenciadas e corrigidas. A participação do testador de qualidade tem que ocorrer desde o início do projeto, ou pelo menos desde que o protótipo esteja disponível.

Papéis para Jogos Eletrônicos

Quando mencionamos jogos eletrônicos, devido à característica multimídia do produto, além dos papéis já mencionados, outros papéis se destacam. Porém, é importante ressaltar que esses papéis, individualizados, granularizados, ou operacionalizados como estão, usualmente são aplicados em jogos de grande porte, os mencionados ‘Triplo A’ ou ‘AAA’, da idústria de jogos, que recebem aportes milionários para sua elaboração.

Apresentaremos, mais adiante, um conjunto de ajustes que podem ser aplicados para projetos de jogos de menor porte, em um processo de agregação de papéis, justamente por não exigir tanto do profissional de cada área.

Aos jogos eletrônicos, então, considerando os papéis já descritos para jogos analógicos, acrescenta-se os seguintes papéis:

Designer de Nível (Level Designer)

Enquanto jogos de tabuleiro possuem apenas aquela configuração de jogo, jogos eletrônicos tem a possibilidade de manter a mesma mecânica, mas alterar elementos que mudam a experiência do jogador. Esse é o papel de um designer de nível.

É possível dizer que um designer de nível praticamente cria um jogo novo usando o jogo principal como referência. Ele apresenta os novos desafios a serem superados pelo jogador.

Engenheiro de Software Chefe/Líder

Jogos eletrônicos são executados por meio de máquinas. Hoje em dia, pelos computadores. Eles são projetos tecnológicos e sua composição fundamental é feita pela combinação de programas de computador.

O papel do engenheiro de software chefe (ou Líder) é o de se responsabilizar por desenhar os mecanismos a serem desenvolvidos pelo programador, bem como auxiliar o programador a implementar esses mecanismos.

O engenheiro de software chefe é o papel que faz a ponte entre o gerente de projeto e os profissionais de desenvolvimento de software e também entre o designer de jogo e esses profissionais.

Programador

O programador tem o papel de executar o projeto implementado pelo engenheiro de software chefe, acatando as requisições e adequando-se às mudanças quando necessário.

Diretor de Animação

O diretor de animação é um diretor de arte especializado no processo de animação dos componentes do jogo. Ele é o responsável por fazer a ponte entre o gerente de projeto e o animador ou entre o designer de jogo e o animador.

Animador

O animador é responsável por animar ou configurar as animações dos elementos produzidos pelo ilustrador ou pelo modelador 3D. Ele deve seguir as orientações do diretor de animação.

Modelador 3D

O modelador 3D é responsável por criar os modelos 3D digitais a serem usados pelo jogo, seguindo a orientação do diretor de arte. Essa função não estará presente caso o jogo seja puramente 2D ou não contenha nenhum recurso 3D próprio.

Designer de VFX

O designer de efeitos visuais é o responsável por criar os efeitos 2D ou 3D a serem utilizados no jogo. Ele deve seguir as orientações do diretor de arte.

Designer de Texturas

O designer de texturas é o responsável por dar aos modelos 3D projetados pelos modeladores o realismo necessário para o visual do jogo

Diretor de Áudio

O diretor de áudio é o responsável por garantir a coerência nas artes sonoras da produção do jogo, bem como gerenciar a equipe de composição e efeitos sonoros.

O diretor de áudio é o papel que faz ponte entre o gerente de projeto e os profissionais do áudio ou entre o designer de jogo e esses profissionais.

Compositor

O compositor é o responsável por compor a trilha sonora do jogo. Grandes produções usualmente elaboram suas próprias composições, enquanto que produções menores optam por utilizar recursos musicais de terceiros, seja licensiando ou obtendo obras de licença livre ou de domínio público.

Designer de Efeitos Sonoros

O designer de efeitos sonoros é o responsável por elaborar o conjunto de áudios a serem usados em momentos específicos, como o som do bradar de uma espada, o som de uma batida entre dois automóveis, o som de alguém caindo de um precipício, ou o som de uma ação do usuário. Assim como as composições, a equipe de produção pode decidir produzir sua própria biblioteca de efeitos sonoros, adquirir licença de uma biblioteca de terceiros, utilizar uma biblioteca que possua uma licença livre ou esteja em domínio público.

Roteirista ou Designer de Narrativas

O roteirista é o responsável por prover a coerência narrativa ao jogo. Nem todo jogo possui narrativa explícita, mas todos possuem uma micro narrativa do processo. Para jogos com narrativa, o roteirista assume o papel fundamental de orientar a produção textual e de diálogo, considerando um processo não linear de progressão. Às vezes até mesmo um processo de emergência narrativa, em que a mesma é construída em tempo real por ações não previstas realizadas pelos jogadores!

Designer de Diálogos

Jogos tem a característica principal da não linearidade, o que demanda uma perspectiva diferente para o desenvolviemento da interação entre personagens no processo narrativo. O papel do designer de diálogos é o de garantir a coerência na progressão dos diálogos em relação ao fluxo do jogo e às decisões do usuário.

Considerações Sobre os Papéis em Relação ao Porte dos Jogos

Os papéis apresentados anteriormente são frequentemente encontrados em projetos de grande porte. Em projetos de porte médio, pequeno e micro, a situação é diferente.

Projetos de micro porte geralmente são executados por uma única pessoa, que se utiliza de ferramentas e design prontos, usualmente com recursos de domínio público ou licença livres. Para projetos de pequeno e médio porte a situação se torna nebulosa. Vejamos como podemos avaliar os papéis.

Jogos de Pequeno e Médio Porte

Jogos de pequeno porte são usualmente executados por uma equipe de 2 ou 3 pessoas, cada uma assumindo mais de um papel, mas todas com papéis fundamentais diferentes. Em algumas ocasiões, apenas um indivíduo consegue implementar um jogo de pequeno porte.

Um exemplo clássico de jogo de pequeno porte produzido e desenvolvido por um indivíduo é o Prince of Persia, produzido por Jordan Mechner, que desenhou o jogo, os gráficos, as animações, compôs a música e programou o jogo, em uma época em que não haviam ferramentas específicas para a produção de jogos.

Dentre os papéis que podemos identificar em jogos de pequeno e médio porte, podemos apontar o Designer de Jogo, que acumula responsabilidades de produtor e designer de nível, e pode assumir as funções de desenvolvimento ou artísticas. Assim, teríamos uma combinação de produção lógica e produção artística que pode ser subdividida em:

  • Designer de Jogo e Desenvolvedor
  • [Designer de Jogo e] Artista (Visual)
  • [Designer de Jogo e] Artista (Sonoro)

A função do roteirista é usualmente abraçada pelo designer do jogo, embora os artistas tenham liberdade para auxiliar na criação do texto.

Dessa maneira podemos caracterizar pelo menos duas divisões, a de desenvolvimento e a de arte, com a segunda podendo se desdobrar em arte visual e arte sonora, sendo que o papel de designer é assumido por alguém pertencente a uma dessas categorias, embora seja comum que o designer de jogos digitais tenham também responsabilidades na área de desenvolvimento.

Caso haja necessidade de profissionais extra para o desenvolvimento do produto, eles se encaixam em um dos papéis operacionais: programação, modelador, ilustrador/designer de textura, animador, compositor/designer de som.

Classificação Qualitativa de Jogos Eletrônicos e Valores de Fomento Aproximados

Como não há uma definição formal sobre jogos, não há como prever com precisão quais seriam os valores atrelados aos projetos.Na indústria de jogos, estúdios se aproveitam de projetos muito bem sucedidos para cobrir prejuízos de projetos que não tiveram lucro, ou que foram cancelados e a relação orçamento/lucro usualmente é um segredo mantido a sete chaves.

Porém, há exemplos de projetos que nos dá uma estimativa, ainda que bastante subjetiva, dos valores investidos na produção.

Nesse aspecto podemos considerar 4 tipos de projetos, baseados em montante financeiro e tempo de produção.

Micro – R$ 10K a R$ 30K

Projetos de jogos de porte micro são projetos que duram de semanas a aproximadamente 6 ou 7 meses.

A equipe desse tipo de projeto é enxuta, usualmente não excedendo 3 pessoas, e geralmente produzindo um produto com design emprestado de outro, ou seja, um design já apresentado em outro jogo.

Outro exemplo de jogo de porte micro é alterar os recursos narrativos, visuais e sonoros de um jogo estabelecido, usualmente de pequeno porte.

Por ter o foco em um design de jogo pronto, em oposição a um específico para o projeto, a equipe é reduzida, assumindo-se os 3 papéis básicos de design, ou seja, design de jogo, design gráfico/visual, e design sonoro, bem como um dos participantes assume o papel de produtor de jogo, ou líder de projeto. Usualmente o design de jogo também é o desenvolvedor.

Muitas vezes projetos desse porte optam por utilizar recursos prontos, sejam visuais ou sonoros, providenciados por terceiros em sistemas de mercado como  a Unity Asset Store, a Unreal Store, a Kitbash 3D, dentre outras.

Pequeno – R$ 30K a R$100K

Projetos de jogo de porte pequeno também contam com uma equipe reduzida, como nos de porte micro, com a possibilidade de alguns elementos operacionais adicionais.

Tais projetos de jogo tem um compromisso maior com o produto e com seu público. Seja por produzir recursos visuais ou sonoros inéditos, para ter coerência com a narrativa, seja por oferecer uma experiência interativa distinta das demais.

Devido a esse compromisso, um projeto de pequeno porte tem duração maior que um projeto de porte micro, alguns podendo durar até 3 anos de desenvolvimento.

Dois exemplos de projeto de jogo de porte pequeno são o jogo “Língua”, e o jogo “Punhos de Repúdio”, o primeiro sendo financiado pela SPCine, o segundo com aporte pessoal e depois obtendo recurso via financiamento coletivo, sendo comercializado em diversos meios como PCs e consoles.

Médio – R$ 100K a ~ R$900K (Anvisa – R$500K)

Os projetos de médio porte apresentam geralmente duas características distintas dos projetos de pequeno porte. A primeira característica é a busca de uma mecânica mais adequada às intenções do produto, geralmente num maior contexto com a narrativa, usualmente favorecendo a criação de uma propriedade intelectual que atraia a atenção do público em geral. A segunda característica é uma maior atenção a detalhes e o desenvolvimento de mecanicas de jogo com papéis persuasivos ou estéticos que enfatizam tais detalhes.

O processo de produção de jogos desse porte demanda uma equipe grande, pois o conteúdo produzido tanto técnica quanto artisticamente tende a ter um grande volume de subprodutos, apresentando uma maior qualidade, com maior complexidade que os produtos dos portes anteriores. Ou seja, é mais comum encontrarmos uma equipe com a estrutura que se aproxima da apresentada na seção sobre os papéis desempenhados nos projeto de jogos.

É incomum projetos de médio porte utilizarem recursos “ready made”, recursos prontos, disponíveis no mercado, necessitando apenas a aquisição da licença de uso, porém há casos em que isso se verifica, como o uso dos modelos da Kitbash 3D pelo jogo FrostPunk 2.

Por demandar equipe numerosa e por favorecer a produção de insumos próprios, o custo jogos desse porte tendem a se aproximar da casa dos milhões de reais, porém há raros casos de jogos de médio porte que chegaram a custar na casa das centenas de milhares de reais.

Grande – +R$1M

Projetos de grande porte usualmente são grandes produções, jogos em sua máxima elaboração e atenção a detalhes, que o mercado denomina de jogos “duplo A” (AA), ou “triplo A” (AAA).

Projetos desse tipo costumam ter custo de produção na casa de milhões e desenvolvidos por grandes estúdios, geridos por empresas como Electronic Arts (EA), Ubisoft, Epic Games, Bethesta, Nintendo, dentre outros.

Os detalhes sobre os processos desses projetos não são revelados ao público e as empresas não têm interesse em revelar como elas lidam com projetos dessa natureza.

Parâmetros para Pontuação de Projeto

Parametrizar processos de pontuação para editais é uma tarefa complexa. A definição das regras varia de acordo com com a natureza do edital, se ele é voltado para a cultura, para a indústria, ou para algum outro contexto, seja ele específico ou misto.

As propostas aqui apresentadas são justificadas considerando o contexto cultural, para produção e disseminação de cultura. As justificativas possuem a intenção de apresentar os motivos ou razões da proposta de pontuação, podendo ser readequada para editais específicos.

Segundo Huizinga (Homo Ludens), jogos são atividades constitutivas de uma cultura, ou seja, jogos (o conceito) constituem a fundação em que as culturas podem se manifestar.

Jogos em si não criam cultura. É necessário que haja o ato de jogar, e para que atividades culturais se manifestem, esse ato tem que estar de acordo com as premissas apresentadas por

Huizinga, as principais: Ser de participação livre, não possuir um propósito intencional, ações realizadas no contexto do jogo não devem influenciar a convivência entre os participantes ou expectadores.

Observe que essas exigências não estão atreladas ao conceito de jogo, mas sim, ao conceito da atividade de jogar, considerando um modelo de favorecimento de manifestações culturais. Manifestações que podem ser estabelecidas como cultura.

Como sugestão, utilizo dos símbolos da matemática para indicar a valoração das decisões, podendo ser compreendido da seguinte forma

 

A construção “a > b > c” indica escolha única, em que o proponente escolherá uma das três opções, sendo que a mais à esquerda possui o maior valor de pontuação e a da direita, o menor valor de pontuação. A valoração específica fica a cargo da equipe de elaboração do edital.

Em algumas construções são permitidas combinações de decisões. Nesse caso mantém-se a construção anterior e apresenta-se na linha seguinte a regra de combinação.

Ex:

 

“a > b > c”

“Total: a+b+c”

 

Indicando que há a possibilidade de combinação de decisões, com a regra de que o total a ser obtido pelo proponente é a somatória das decisões tomadas. Nesse caso, se o proponente decidir pelos itens “a” e “c”, o total de pontuação a ele atribuída será a valoração atribuída ao item “a” somada com a valoração atribuída ao item “c”.

 

Considerando essas observações, podemos sugerir os seguintes parâmetros de pontuação e valoração:

Disponibilidade do Produto

Para que o ato de jogar seja realizado, é necessário que o o produto esteja dispinível ao usuário final, o jogador(a), e para que a participação seja livre, além da disponibilidade, o produto também deve estar acessível ao usuário.

Considerando que é necessário que haja, além da participação, o compartilhamento e disseminação para que uma cultura se estabeleça; considerando o ato de jogar o alicerce para o estabelecimento de uma cultura; e considerando que essa característica também se aplica a jogos eletrônicos, esse é um contexto importante no processo de parametrização, levantando algumas perguntas que podem auxiliar na quantificação de pontuação.

 

Parâmetro: O produto será gratuito ou será comercializado?

Gratuito > Comercial*

Em caso de produto comercial ( com valor comercial para acesso-vendido em alguma plataforma ):

Parâmetro: Haverá distribuição de liçenças? 

Quantas?

 

Parâmetro: Qual o contexto da distribuição? A quem essa distribuição beneficiará?

Dispositivos Móveis (Android > iOS) > PCs > Consoles (PS/XBox/Nintendo)

Valor total = Somatório de todos

 

Parâmetro: Qual o valor de venda do produto?

Mais barato > mais caro

Em caso de produto não comercial

Parâmetro: Haverá alguma monetização? (transação no jogo envolvendo dinheiro real)

Nenhuma > Espaço Publicitário > Microtransações em jogo*

Disponibilidade de Recursos

Jogos usualmente possuem mais produções que apenas o produto final. Em seu ciclo de projeto, jogos produzem recursos gráficos, de animação, sonoros e musicais.

Algumas produções disponibilizam os recursos de áudio, efeitos sonoros ou músicas, para serem consumidos livremente. Algumas licenças até mesmo permitem o uso em projetos de terceiros.

Da mesma forma, existem produções que disponibilizam seus recursos gráficos para serem usados em outros projetos ou contextos, algumas também com licenças permissivas, como a Creative Commons.

Esse tipo de atitude não apenas auxilia a divulgação do produto produzido, mas também permite que produções derivadas sejam construídas, reforçando os aspectos culturais.

Dessa maneira, seria interessante uma categoria de pontuação relativa à destinação dos recursos intermediários para uso pela comunidade.

Considerando que o objetivo de um edital publico para jogos seja o fomento à cultura e que a cultura é aquilo que é livremente produzido, distribuído e modificado por aqueles que a compartilham, é importante validarmos regras de pontuação para os diversos recursos produzidos no processo de produção de jogos.

Dois grupos de parâmetros são de interesse ressaltar: o ineditismo e o licenciamento.

O parâmetro do ineditismo diz respeito à questão de produção dos recursos artísticos, como desenvolvimento de ilustrações e animações especificas para o projeto, composição de música específica para o projeto ou elaboração da diegese ou narrativa especifica para o projeto, ou se algum desses recursos seriam reutilizados de uma base externa ou de um projeto passado já registrado pela equipe de produção.

Quanto ao parâmetro referente ao licenciamento, existem algumas considerações apresentadas na sequencia.

 

Parâmetro: A arte e animação será/está disponibilizada sob qual licença?

 

  • Livre > Comercial > Não será disponibilizada

Em um projeto de jogo o produtor pode escolher criar os recursos artísticos ou utilizar recursos artísticos já existentes. É importante avaliar como esses recursos serão licenciados, em caso de desenvolvimento próprio, ou estão licenciados, em caso de uso de recursos de base de terceiros ou próprios mas pre-existentes.

Recursos artísticos que são disponibilizados em uma licença livre favorecem o compartilhamento e distribuição do que torna o jogo visualmente atrativo. Auxilia o processo de divulgação, pois a comunidade tem a oportunidade de utilizar os recursos que compõe a identidade visual do jogo em produtos próprios, e também auxiliam a comunidade fomentando o processo de criação. Ao utilizar uma licença livre, como a Creative Commons, por exemplo, pode-se atribuir outros pesos à pontuação de acordo com a categoria que a licença se enquadra.

Disponibilizar os recursos artísticos comercialmente adiciona uma barreira no processo de uso e compartilhamento dos recursos, mas ainda possibilita quem tem a disponibilidade de arcar com o custo do licenciamento para projeto próprio de reutilizar esses recursos. Ainda que mais limitado em relação à licença livre, ainda permite um desenvolvimento cultural.

Caso o recurso artístico não seja disponibilizado sob nenhum aspecto, apenas o jogo como produto é o que será consumido e compartilhado culturalmente como uma unidade indivisível, impedindo ajustes, adaptações, etc., tornando-se um produto cultural apenas de consumo, e não um produto de fomento cultural, mesmo que com característica de produto de consumo.

 

Parâmetro: A música será/está disponibilizada sob qual licença?

 

  • Livre > Comercial > Não será disponibilizada

 

Os recursos musicais podem ser produzidos no contexto do projeto ou podem ser obtidos de projetos anteriores da mesma produtora ou de terceiros e assim como a arte e animação, a música compõe um recurso de identificação do projeto. Suas regras seguem as mesmas da arte e animação, com pontuação mais alta para recursos que são/estão disponibilizados sob licença livre, menores para recursos sob licença comercial e ainda menores para recursos que não serão disponibilizados sob nenhuma licença.

 

Parâmetro: A Narrativa ou Diegese será/está disponibilizada sob qual licença?

 

  • Livre > Comercial > Não será disponibilizada

 

Embora narrativas ou uma diegese não sejam elementos fundamentais em jogos, pois há jogos, como Tetris, que não apresenta uma narrativa, nem sequer um “mundo” onde o jogo ocorre, esses recursos podem ser usados para contextualizar ações ou objetivos requeridos ao jogador.

Esses recursos podem ser ambos criados para o jogo, como por exemplo o mundo do jogo Borderlands, onde sua historia ocorre, a diegese usada e a narrativa criada, como o Hogwarts Legacy, onde a diegese é a da série Harry Potter, mas a historia é outra, ou ambos usados de terceiros, como diversos jogos baseados em filmes ou animações em que espelham a historia do objeto de midia correspondente.

Criados ou usados, ainda é interessante observar a questão das licenças da diegese ou da narrativa e pontuar de acordo com as mesmas regras estabelecidas para a licença de arte ou de música.

Disponibilidade de Projeto

Alguns projetos vão além de disponibilizar recursos, eles disponibilizam o projeto como um todo, como os projetos apresentados pelo grupo GDQuest, os quais eles desenvolvem em sua metodologia de aprendizado junto aos assinantes de seus cursos.

Os projetos possuem licença livre, com possibilidade de uso do código de forma comercial. Essa oferta agrega à produção de obras derivadas, permitindo que obras similares ou outros projetos derivados, como projetos de porte micro, possam ser desenvolvidos.

Parâmetro: O projeto será disponibilizado sob qual licença?

  • Livre > Proprietária

Embora o projeto tenha por intenção a produção de um produto cultural, a equipe pode escolher disponibilizar o projeto, como o código fonte, as regras de jogo, ou anotações de produção, sob uma licença livre. Isso proporcionaria um conjunto de informações para outras equipes usarem como referência em projetos ou editais futuros, compartilhando a prática e fomentando a cultura de criação e design de jogos.

Dessa maneira uma licença livre teria uma pontuação maior que uma licença proprietária.

Pontuação por Contrapartida Extra

A contrapartida ao financiamento é um item obrigatório na proposta de um projeto. A sugestão consiste em avaliar contrapartidas extra ofertada pela equipe à comunidade.

Considerações Finais

Jogos são elementos que ainda não possuem uma definição formal. Jogos eletrônicos são uma contraparte de jogos que acrescentam toda uma nova gama de recursos que jogos tradicionais não são capazes de oferecer, complicando ainda mais o processo de análise e avaliação desses produtos, projetos ou elementos.

A indústria estabelecida é bastante fechada no contexto de divulgação de informações sobre métodos ou metodologias de produção e desenvolvimento de jogos eletrônicos. Há uma aparente percepção de que essas sempre são bem sucedidas, o que difere de estudos já publicados por fontes confiáveis.

Embora não haja uma definição clara desse produto ou elemento, é inegável que eles tornaram-se presentes no cotidiano, fazem parte da cultura, complementando a cultura já estabelecida pela suas contrapartes como Jogos de Tabuleiro, Jogos Físicos e Jogos de Cartas. Mas podemos estabelecer um conjunto de regras para garantir que um projetoconsiga produzir resultados dentro do contexto cultural.

Esse documento está em elaboração recorrente. Isso significa que estamos abertos a críticas e sugestões para melhorarmos o cenário de jogos no país, de preferência dentro de um contexto cultural.

Colaboradores

Luis Daher – Cavy Labs