Jogos, jogadores e atletas: como os e-sports afetaram o perfil dos jogadores

Jogos, jogadores e atletas: como os e-sports afetaram o perfil dos jogadores

Do início dos jogos eletrônicos, já com disputas entre jogadores, até os jogos online, os competidores casuais e profissionais mudaram

Os videogames, desde sua origem, refletem características dos jogos de competição entre jogadores ou equipes, como o xadrez, o futebol ou o tênis de mesa. Este último foi a inspiração para Pong, o primeiro grande sucesso da indústria de jogos eletrônicos, produzido e distribuído comercialmente para o público.

Pong retratava de forma simples um jogo de pingue-pongue, com duas barras com possibilidade de movimento vertical representando as raquetes e os dois campos de jogo. O mais importante é justamente que a máquina era desenhada para possibilitar o jogo de jogador contra jogador, favorecendo o início da competitividade, inicialmente entre jogadores de fliperama e depois caseiros.

Mas o caminho da competição de Pong até o cenário atual de e-sports é longo, com um mercado faturando grandes quantidades de dinheiro em diversos jogos com ligas próprias, que rivalizam, em público, a de grandes ligas de esportes tradicionais como a NBA, de basquete nos Estados Unidos, ou a Champions League, a competição maior dos clubes europeus de futebol.

Algumas dessas ligas de esporte tradicional se voltaram para a modernidade e para a tecnologia, como a apresentada por plataformas de transmissão ao vivo como a Twitch e YouTube Live. Ambas encontram-se na vanguarda dos esportes eletrônicos, com os maiores públicos voltados a competições como o Campeonato Brasileiro de League of Legends, ou CBLOL, ou os ditos campeonatos “Major” de Counter Strike, onde os brasileiros também possuem grande presença.

Mas o que esse público massivo nos revela sobre a mudança do perfil dos jogadores ao longo dos anos? Esses atletas que ficam na frente de telas, assistidos por milhares de espectadores engajados, a própria construção de jogos, a forma de que eles são lançados, comercializados e divulgados  se tornaram mais competitivos ou fizeram a competição ficar mais evidente?  Como o cenário se desenvolveu ao ponto de construir um cenário de treinos esportivos e análises táticas de cada personagem, item, mapa e possibilidades de cada jogo?

As primeiras competições e competidores

Arcades foram o primeiro lugar de competição de muitos jogadores | Foto: Ben Neale/Unsplash

Quando falamos em competição, não falamos apenas dos campeonatos que aconteceram já no início da vida útil dos videogames, como os de Pacman, Asteroid e outros. Essas primeiras competições foram organizadas entre colegas de faculdade. As empresas, depois de perceberem o potencial dessas competições, começaram a organizar eventos limitados a locais específicos. Mas o que povoavam os bairros eram as máquinas de fliperama, com a competição entre a vizinhança.

Sim, aquele que ficava num bar ou em uma padaria, talvez em um clube e se desse muita sorte em local específico para essas máquinas de fliperama. Ali a competição e o treinamento, mesmo que custasse os centavos guardados do recreio, já eram realizados entre jogadores do bairro para decidir quem era o melhor. Pacman e outros jogos mostravam a sua pontuação, que poderia ficar registrada para os outros jogadores, como uma demonstração de quem seria o melhor jogador daquela máquina.

Os jogos de luta, estilo de jogo que se popularizou com Street Fighter e Mortal Kombat, tanto nos arcades quanto nos consoles, também foram um início do que a competitividade direta entre jogadores geraria no futuro. Antes limitada a uma competição indireta, de comparação de pontuação entre jogadores, ou disputas casuais entre jogadores em consoles. Os jogos passaram a possibilitar a combinação de estilo de jogo com personagens específicos e movimentos especiais em cadeia, depois conhecidos como “combos”, que os mais envolvidos no jogo aprendem e dominam.

O treinamento desses jogadores já se aproximava ao de atletas tradicionais amadores, com comprometimento acima dos “atletas de fim de semana”, e consequentemente dos que viam o jogo pelo entretenimento. As práticas passaram a considerar situações além da partida eventual, provando-se mais capazes e dedicados do que quem encarava a situação casualmente. Amadores porque os campeonatos não proporcionavam remuneração, no máximo premiações inconstantes.

Além dos jogos de luta, outro gênero estava surgindo no horizonte: o de jogos de tiro em primeira pessoa, com Doom capitaneando o absoluto sucesso do gênero,  possibilitando aos jogadores se enfrentarem em máquinas no mesmo ambiente, conectados numa rede local de computadores. Jogos com essa característica proporcionaram a criação da cultura de Lan Houses, que também estimularam o cenário de e-sports.

Os e-atletas e seus times

As Lan Houses ainda são muito populares no Leste Asiático | Foto: Tech In Asia/Reprodução

Com as Lan Houses sendo a continuação dos fliperamas, que estavam em decadência pela evolução da tecnologia e pela preferência do público por consoles e por computadores, estabelece-se uma cultura que estimula a criação das primeiras organizações de e-sports. Essas organizações inicialmente se estruturaram como um agrupamento de jogadores com interesses em comum de competir nos campeonatos, que estavam cada vez mais organizados e em maior número, mas evoluindo para um modelo parecido com os times de esportes tradicionais, com patrocinadores, produtos para os fãs e contratos de permanência dos atletas.

Outros jogos se popularizaram na época, como jogos de estratégia, tais quais Starcraft e Warcraft, e jogos de tiro, como Counter Strike e Quake. Esse último da mesma desenvolvedora de Doom, a id Software. Tais jogos tinham um modo online rudimentar, em que os jogadores poderiam jogar de suas casas contra outros jogadores ao se conectarem nos servidores de jogo. Apesar disso, tais jogos se mantiveram ligados diretamente às Lan Houses, criando o cenário competitivo.

Cada vez mais e-atletas apareciam, encaminhando a sua carreira e dedicação ao esporte eletrônico, tornando-se figuras marcantes para as novas ondas de jogadores, que viam agora os jogos competitivos não apenas como uma competição recreativa, mas como uma possibilidade de ser reconhecido por sua habilidade de jogar.

Então, o treinamento para melhorar e superar desafios locais evolui para algo a mais, com o objetivo de se tornar um jogador profissional e reconhecido nos jogos que ele pratica. Essa luta pelo aprimoramento necessita de mais dedicação que as análises anteriores de estratégia e da melhoria das reações rápidas, demanda também condicionamento do corpo e da mente para extrair o máximo da habilidade possível.

O cenário de diversos jogos, que têm constantes atualizações e uma comunidade engajada, evoluem as táticas ao longo do tempo, mantendo poucas estratégias como fixas e estáveis por muito tempo. Novos paradigmas de combinações e de personagens com abordagens diferentes são possíveis e testadas constantemente, contribuindo que o que poderia ser o “meta” de um mês, termo que define o que é mais forte e útil no momento atual do jogo, possa não ser mais no mês seguinte, por encontrar algo que quebre o meta anterior.

Então, além do treinamento em busca da maestria dos aspectos do jogo, que se tornam mais complexos, em que leves mudanças da porcentagem de dano para mais ou para menos afeta completamente o jogo, o jogador também precisa estudar as estratégias que seus adversários podem usar e conhecer métodos de quebrá-las.

O online e a expansão competitiva

O Worlds é um dos maiores campeonatos de e-sport do mundo | Foto: Colin Young-Wolff/Riot Games

Com a expansão da Internet e o aumento da velocidade no tráfego de dados, a conexão entre diferentes partes do globo se mostrou mais intensa, com regiões do globo interagindo entre si para demonstrar os seus modos de jogar, com estratégias diferentes de acordo com o que acontecia no cenário nacional e continental do jogo. Um exemplo disso é o League of Legends e seus campeonatos, que reúnem várias regiões do jogo, sendo possível ver a diferença entre elas, com regiões que priorizam a vitória rápida e avassaladora, enquanto outras são mais analíticas e preferem vencer as partidas de maneira mais cuidadosa e calculada.

O League of Legends, junto de vários outros Multiplayer Online Battle Arena (MOBA) como o que deu origem ao gênero, o “DotA”, impulsionou ainda mais o e-sports e a comunidade de fãs. Os jogadores compartilham estratégias essenciais e novas composições de equipe de forma orgânica em fóruns, comunidades em redes sociais e vídeos. Esse processo cria algo como um comportamento de mestre-aprendiz entre os jogadores de ranques, ou no caso do LoL, elos mais altos, para ensinar aos novos jogadores que desejam evoluir e alcançar esses ranques mais elevados.

E com isso, até o jogador mais casual desses jogos se envolve em um estudo dessas mecânicas, do que é essencial do jogo para continuar a competir em sua pequena comunidade de amigos, melhorando as suas habilidades para se manter no nível de seus companheiros de sessão de jogo.

Os maiores jogos em números de jogadores simultâneos e de público nas plataformas de livestream são tais jogos competitivos, com os melhores jogadores ganhando uma legião de fãs ávidos para ver sua maneira treinada e habilidosa de jogar, às vezes oferecendo dicas e sugestões para eles, se tornando os olímpicos da geração digital.

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